sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Histórias do Rio Negro


Caros:
O sudeste tem muito a aprender com a Amazônia. O Sudeste não conhece a Amazônia. Seus rios e florestas, as populações tradicionais e suas culturas;os ribeirinhos e suas lendas, os curupiras e botos devoradores, as ancestralidades das comunidades quilombolas.
E, sobretudo, o Sudeste ignora (ou não sabe mesmo...), que a Amazônia sendo a metade do território do nosso país, detém uma extraordinária riqueza, que mal conhecemos.

Quer mais? Depois eu conto...

Fiquem à vontade de desejarem replicar a mensagem.
Abreijos,

IVAN

Histórias do Rio Negro

Quem viu o Negro na vida nunca mais se encantará com outro rio. A imensidão das águas escuras, a magia que ele espalha à sua volta, seu enigma e o esplendor dos seus ocasos são coisas que impregnam a alma da gente. Tudo é o rio: seus infindáveis igarapés, as praias de areias brancas, o brilho da lantejoula negra e coruscante ao sol, seu humor, um dia vem, outro vai, um dia sobe outro desce. É a gênese da Manaus e da vida,

O Negro é sensual, insinuante, muito masculino. E um rio macho. Chega e se apossa da nossa paixão sem pedir licença. O caminhar inexorável das águas escuras e densas escorrega pela nossa vida; o esplendor dos igapós, terra de duendes aquáticos e mistérios submersos, árvores fazendo rendas e incontáveis grutas sombreadas. É uma teia de águas, um emaranhado de rios, igarapés e fontes, uma imensidão cheia de segredos e de histórias.

O Negro entranha na pele, cavalga nossos sonhos. Como um enorme risco a carvão ele emprenha a floresta, e, desse fecundar, nascem as árvores imensas, coqueiros e sagüis. Nasce a pupunha e o açaí, a gameleira e o oiti, a samaúma gigantesca e o camu-camu com suas frutinhas vermelhas, o apuí, as castanheiras, o cipó do guaraná, as orquídeas deslumbrantes e as bromélias enrubescidas. Também o Tucumã com seus espinhos, o urucum, fruto partido pingando sangue, e a seringueira que chora lágrimas de borracha. Nasce a floresta esmeraldina, o tamanduá, a onça pintada, o índio.

O Negro é isso tudo e mais ainda. É pai e mãe de botos e iaras e de curuminhas perdidas; tem a todos aninhados nas suas funduras cheias de lendas fantásticas, de pescadores enlouquecidos, de cobra-d’água e de lua cheia. É pai do peixe-boi, do aracu riscado e de quatro pintas, dos acarás, dos matrinxãs, dos jundiás, o preto e o amarelo, dos araripirás coloridos e rápidos, do pirarucu sobranceiro e orgulhoso da sua supremacia no reino das águas escuras.

Nas noites o Negro é regaço de namorados, nas prais enluaradas e areias macias. Suas águas sussurrantes recolhem suspiros, aconchegam carinhos e murmuram gemidos de amor. Aos domingos se veste de festa e paciência; as lanchas e barcos rasgam suas calmarias, a algazarra das crianças, os cuidados das mães, o colorido das bandeirolas, a toalha xadres e os piqueniques feitos nas suas margens, O rio parece se irritar um pouco com o som estridente dos toca-fitas, fazer um muxoxo de desdém aos exibicionistas, mas, sobretudo, estende-se majestosamente ao sol. Ao fim do dia é o seu esplendor áureo.

O entardecer do Negro tem todas as cores e nuances imagináveis. É a hora em que o rio conversa com DEUS. Então, nesse diálogo de suprema e efêmera beleza ele se supera. Ruge esplendoroso nos vermelhos, geme nos amarelos, chora nos azuis, para acabar se acalmando, langoroso, na doçura dos rosados e lilases. Rio e noite, noite e rio, não se sabe onde é o céu e onde é a a água, onde começa o sonho e acaba o mundo.

Referência bibliográfica:
VAL, Vera do. Histórias do Rio Negro, introdução. Manaus: Edições Muirquitã., 2007

Um comentário:

  1. Salve Simpatia!
    Grande amigo Ivan, concordo plenamente, o Sudeste não conhece a Amazônia!
    Força e Paz
    Tânia Mara

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